Pesquisa Talks é uma newsletter quinzenal feita por duas pesquisadoras de conteúdo para projetos audiovisuais.
Por Barbara Heckler e Camila Camargo
Oi! Obrigada a todas as pessoas que participaram da enquete da edição passada e se interessaram em aprofundar em pesquisa de conteúdo com a gente. Nesta edição, escrevemos sobre processos criativos, um tema que tem tudo a ver com o projeto que estamos desenvolvendo. Em breve, traremos boas novas por aqui!
Catapultas
Em uma noite de caipirinhas, num boteco um pouco acabado meio hipster, incentivamos, eu e um amigo, uma terceira amiga na mesa a parar de enrolar e botar no papel seu grande desejo: o de escrever um livro.
Bom, lembro vagamente deste impulso, por questões etílicas, mas, pelo jeito, para a Andrea a memória é nítida. Tanto é que fez questão de escrever delicadamente este momento na dedicatória de seu recém-lançado romance, “O Menino e o Livreiro” (mais sobre ele na dica da edição). Não é sempre que meu nome é cravado nessas páginas que nunca deixo de ler, por pura curiosidade. Mas, mais do que isso, fiquei emocionada em ser uma de suas molas propulsoras.
Muito se fala sobre a tal síndrome da impostora que acomete grande parte das mulheres. Deixamos de arriscar em estar em determinados lugares, ocupar determinados cargos, como se aqueles perímetros não nos pertencessem, principalmente os que historicamente foram ocupados por homens - brancos em sua maioria, claro. Falta quase um crachá com os dizeres “desculpe por estar aqui”.
O lugar da criação está pleno desses sentimentos. Quantas foram as mulheres que tiveram suas artes negligenciadas, subjugadas, nos últimos séculos? Hoje é sabido alguns nomes que tiveram sua importância consolidada, como Camille Claudel, Lee Krasner, e escritoras como As irmãs Brontë e June Tarpé Mills. Essas, por sua vez, assinavam com pseudônimos masculinos. Por sinal, Tarpé foi a criadora da primeira heroína de quadrinhos, a Miss Fury, em 1941.
Fico pensando quantas outras estiveram por aí - ou ainda estão, enfurnadas em suas casas e ateliês, sem ter tido a chance de um reconhecimento de seus talentos, não incentivadas a acreditar naquilo que produzem. Não é por acaso que a sensação de não pertencimento continua a pairar nos sentimentos femininos mais subterrâneos.
Por isso, quando vejo uma grande amiga ter tido a coragem de dar a cara ao mundo e escrever um livro por pura vontade latente, é de se admirar, comemorar, prestigiar e divulgar. Sim, Andrea Jundi, seu lugar pode ser como escritora também, para além de uma exímia assistente de direção. Que mulher você já incentivou hoje?
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BARBARA pesquisa mulheres talentosas
Admiráveis
"Fale DUAS mulheres que você admira". A entrevistadora saiu pelas ruas do Rio de Janeiro fazendo esta pergunta a uma audiência masculina. Entre engasgos e longos lapsos de memória, surgiram respostas como "minha esposa" e "minha mãe". O motivo? "Por tudo que ela vem fazendo por mim", disse um. Outro foi direto: "Xuxa". Por quê? "Ela cuida dos baixinhos". Alguns citaram atrizes como "Deborah Secco e Juliana Paes", porque são "maravilhosas, lindas, né".
Quis o algoritmo me entregar esse vídeo no dia em que eu iniciava um clube do livro sobre "O Caminho do Artista", de Julia Cameron. É um best-seller conhecido por suas ferramentas de desbloqueio criativo. Na turma, quase toda feminina, notei uma imensa dificuldade das participantes em acreditar no próprio potencial.
A maioria era um pouco mais nova do que eu, mas consegui me relacionar com o que traziam. Quando me formei na faculdade, meus colegas de turma homens já se auto intitulavam diretores de cena, de fotografia, roteiristas… Enquanto isso, uma década depois, eu e minhas amigas nos perguntávamos se não era cedo demais para ambicionar um cargo da mesma estatura.
É duro consolidar um protagonismo artístico em espaços de poder, tão masculinos, quando os valores enaltecidos nas mulheres ainda moram no binômio “cuidado-beleza". No que se refere à criatividade, somos muitas vezes assistentes aplicadas. Vice, mas não presidentas. Direção? Só o percentual mínimo pra não ficar chato no relatório de diversidade da empresa. E dá-lhe troféus do tipo Women's best whatever something. Premiadas, talvez. Mas admiradas?
Historicamente, foi ontem que deixamos de ser garotas propaganda do refrigerante para participar da criação da campanha. Calcule a ginástica emocional de ir a reuniões onde tudo grita: "Será que dá pra você ser você, só que mais parecida com a gente?"
A discussão se intensifica quando avançamos em recortes de raça, sexualidade, território e renda. Não podemos viver de vencedoras isoladas, exceções, sobreviventes. É preciso construir ambientes realmente favoráveis a um potencial criativo plural. E não só no trabalho, mas em toda parte.
Compartilhar holofote, autoria e prestígio. Se deixar tocar pela inteligência, sensibilidade e sagacidade do que escapa ao padrão conhecido. Confiar no que uma mulher traz ao mundo, quando pode desfrutar integralmente de quem se é.
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CAMILA pesquisa e admira mulheres criativas
📌 Uma Dica de Cada
[Barbara] Ainda estou na metade da leitura, mas não poderia deixar de dar “O Menino e o Livreiro” diante do meu texto da edição. Trata-se de uma história envolvendo um menino sensível deixado pela mãe e um senhor livreiro de poucos amigos. É sobre amizade, pertencimento e resiliência. Tenho vontade constante de dar um abraço no pequeno Carlos e isso já significa que me envolvi com a história pra chegar até o fim.
[Camila] Tão Longe, Tão Perto é um projeto com a curadoria de Gabriela Monteleone, que difunde o trabalho de produtores artesanais de vinho brasileiros. Aqui em São Paulo, eles têm um espaço na Barra Funda onde é possível provar novidades surpreendentes, como o vinho branco e aromático feito da uva Lorena, criação 100% BR, desenvolvida pela Embrapa.
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Esse texto da Camila me trouxe uma reflexão que está me acompanhando desde que assisti "Anatomia de uma queda". Não sei se vocês mencionaram esse filme nas newsletters posteriores (estou atrasada, porém constante), mas uma das coisas que me surpreendeu, para além da altíssima qualidade do filme e da história contada, foi a reação dos homens com os quais eu convivo. Pela primeira vez na vida eu vi TODOS eles impactados positivamente pelo filme, independente da interpretação que tiveram - isso dá um outro texto só sobre o assunto. Pela primeira vez vi homens admirando a obra de uma mulher sem obrigação nenhuma de gostar ou fingir que se importam. Acho que a maioria nem parou pra pensar que o filme foi feito por uma mulher, preciso investigar essa parte, mas fiquei surpresa e esperançosa com as reações. Será que os espaços que a gente anda ocupando com as nossas histórias estão começando a, finalmente, entrar pra valer na cabeça deles, fazendo-os enxergar coisas que antes passavam batidas?
Oi Sarah! Ótima reflexão! "Anatomia de uma queda" é um filme brilhante mesmo. Traz a questão de gênero como ponto central da trama e também dos bastidores, com Justine Triet como diretora, além de co-roteirista. A própria chegou a sugerir que o Oscar introduzisse uma cota de gênero, depois de Greta Gerwig, de Barbie, entre outras cineastas mulheres, serem ignoradas na categoria de Melhor Direção. Historicamente, em 96 anos de premiação, só 3 mulheres venceram nessa categoria. Entre a primeira (Kathryn Bigelow, por Guerra ao Terror) e a segunda (Chloé Zhao, por Nomadland), teve um intervalo de 11 anos! Torço para que o amplo reconhecimento de Triet alavanque mais representatividade pra não vivermos de exceções.