Pesquisa Talks é uma newsletter quinzenal feita por duas pesquisadoras de conteúdo para projetos audiovisuais.
Por Barbara Heckler e Camila Camargo
Uma semana atrás, recebemos um email do Guilherme:
Não sei se esse assunto já foi abordado em alguma das edições passadas, mas como começar na carreira? Tenho muito interesse e entusiasmo em ingressar na pesquisa, porém não entendo muito bem o que é preciso para começar. Alguma sugestão, dica ou conselho?
Nesta edição, especulamos um tico a respeito.
Raízes
Guilherme, vou te contar sobre minha trajetória para ver se te inspira em algo.
“O que você faz?". Se tem uma coisa que gosto, é explicar sobre o meu trabalho. Pra quem não é do audiovisual, quando dou a minha resposta, sempre pego um sorriso no rosto alheio. As pessoas se surpreendem que existe este profissional por trás de produções cinematográficas. “Nossa, mas que diferente! Que incrível!”, é a expressão geralmente.
Pois bem, eu já estive desse outro lado e o sorriso também esteve estampado no meu rosto ao escutar sobre a existência dessa profissão. E quem me abriu para este mundo foi o roteirista Luiz Bolognesi. Na época, eu trabalhava na revista Bravo! como repórter de música e ele e a diretora Laís Bodanzky haviam acabado de lançar “As Melhores Coisas do Mundo”. Neste filme, a trilha sonora do protagonista adolescente Mano era só rock clássico. E o gancho da minha matéria era exatamente esse: por que optaram por essas músicas? Havia um movimento dos jovens de retomar esse estilo do tempo de seus pais? Foram as questões-chaves ao Bolognesi.
No meio da conversa, a faísca foi lançada. “Fizemos uma pesquisa com alunos de escolas do perfil do Mano e perguntamos sobre a adolescência deles, o que escutavam, quais eram suas angústias, seus medos, suas vontades. E, no final, Barbara, a gente acha que é tudo tão diferente com a nova geração, mas, no fundo, os sentimentos são muito semelhantes”. A entrevista continuou e eu só ficava pensando comigo: como assim?! Essa profissão é real?! Pesquisa pra cinema?! Estamos falando aqui de 2010. A função já era exercida, embora muito embrenhada com outras dentro da produção de uma obra cinematográfica. A pesquisa sambava de um lado pro outro, com a própria direção, roteirista, assistente de direção, produção… E ainda samba em muitos lugares e ocasiões, principalmente quando não há muita verba de execução, mas este cenário tem mudado. Cada vez mais esta coluna no orçamento está delimitada como um cargo único.
Voltando a raiz de tudo por aqui, lembro do meu coração pulando ao sair dessa entrevista e pensando que era isso que eu queria, ia jogar o jornalismo para o alto. Contudo, naquele ano eu estava fazendo terapia com uma analista muito errada, por sinal, e ela veio com um balde de água fria, dizendo algo como: você está querendo fugir do que você tem agora, porque está numa fase difícil. Difícil foi aturar aquela mulher ainda um tempo! De uma forma, ou de outra, dentro de mim, a semente foi plantada eu fui cavando para, 5 anos depois, fazer o meu primeiro trabalho como pesquisadora de audiovisual.
Fui na unha procurar uma diretora que haviam me dito trabalhar muito com pesquisa de publicidade com personagens reais, a Joca. Bati na porta dela na caruda e ela gentilmente abriu, me recebeu e me deu as primeiras oportunidades. De lá para cá, foi um processo lento, mas gradual ascendente. Conheci meus pares - essa pessoa incrível que é a Camila, por exemplo -, ajudei a fundar uma associação de pesquisadores, nossa querida PAVIC, e, olha só, em breve ainda lecionaremos, eu e Camila, sobre o tema (AGUARDEM!! Ta nascendo!). Hoje, naquele quadradinho de “preencha sua profissão”, escrevo lá, com orgulho, desafiando a antiga terapeuta: pesquisadora de audiovisual.
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BARBARA pesquisa porque ama o que faz
Caro Guilherme
Como dar os primeiros passos na carreira de pesquisador? Esta é uma pergunta recorrente e para a qual não tenho resposta única. Embora a cartilha básica — acionar redes de contato, participar de cursos e eventos, buscar estágios — tenha seu valor, não considero que seja a coisa mais inspiradora a se dizer. Tentarei compartilhar algo mais poético… magnético, quem sabe, sobre esse processo.
Mesmo considerando a importância da formação técnica ou acadêmica, se eu pudesse destacar uma única coisa, seria se envolver com conteúdos e projetos que realmente ressoem com quem você é e com seus interesses pessoais. Não significa que serão trabalhos fáceis, mas certamente fluirão com uma potência ímpar.
É esse tipo de projeto que finca a gente no mundo. Sei, também, que parece paradoxal minha proposta de restringir opções logo no início da carreira. Mas uma das minhas maiores percepções é que não vale a pena ambicionar um caminho genérico ou guiado por modismos, que são sempre tão voláteis.
Claro que é bom ampliar interesses, estar aberto ao novo, mas busque saber o que não te atrai. Eduardo Coutinho, documentarista do coração, declarou numa entrevista que não gostava de filmar sobre ecologia. Que entendia a relevância do tema, mas não sentia um apelo como cineasta. Isso foi libertador para mim. Finalmente pude admitir que há uma série de temas, até nobres, mas que considero chatíssimos. Simplesmente não sou a melhor pessoa para pesquisá-los.
É preciso escavar, conhecer, contemplar os nossos desejos. A pessoa que fui me tornando e o perfil de projetos em que atuo mantém um diálogo concreto e interessante - inclusive paro, repenso e alinho a rota, de tempos em tempos.
Em suma (adoro essa expressão), ser pesquisador é se tornar algo que essencialmente já se é, somado a habilidade de atender as demandas de mercado, que no meu caso é o audiovisual. Se não existisse essa profissão, penso que a teria inventado. De certa forma, acredito que foi isso que eu e muitos dos meus colegas fizemos, cada um de uma maneira. Você também encontrará a sua.
Desfrute o caminho!
Um abraço,
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CAMILA pesquisa.
📌 Uma Dica de Cada
[Barbara] Eu não consigo criar o hábito de ouvir podcast, mas quando é de amiga, sempre dou um jeito - e nunca me arrependo. Criado pela jornalista Nina Rahe e pelo músico Meno Del Picchia, sobre sonhos aborda um dos meus assuntos preferidos. Com uma edição muito bem costurada, neste primeiro episódio, o escritor e quadrinista Lourenço Mutarelli conta sua relação com os devaneios oníricos, principalmente aqueles que ele não consegue ter mais, devido ao uso de medicamentos. Vida, morte, criação, numa deliciosa e reflexiva fala que ficou reverberando em mim depois. São 15 minutinhos muito bem aproveitados. Escuta lá! Tem mais episódios vindo por aí.
[Camila] Em viagem ao Rio, precisei matar um tempinho em uma livraria. Na poltrona de veludo que ficava nos fundos, folheei uma publicação curta, que sempre tive a curiosidade de ler: Cartas a um jovem poeta, de Rainer Maria Rilke. Tirei uma foto deste trecho, que transcrevo aqui:
"Peço-lhe que tente ter amor pelas próprias perguntas, como quartos fechados e como livros escritos em uma língua estrangeira. Não investigue agora as respostas que não lhe podem ser dadas, porque não poderia vivê-las. E é disto que se trata, de viver tudo. Viva agora as perguntas. Talvez passe, gradativamente, em um belo dia, sem perceber, a viver as respostas."
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