Pesquisa Talks é uma newsletter quinzenal feita por duas pesquisadoras de conteúdo para projetos audiovisuais.
Por Barbara Heckler e Camila Camargo

Chá de boldo
Se um encontro entre duas pessoas é uma sobreposição de mundos, como não transformar a interação em um eclipse? Ando com essa pergunta tilintando na cabeça, porque estou estudando sobre a escuta. Embora seja pré-requisito para um bom pesquisador de conteúdo, tenho a opinião indigesta de que eu e meus colegas de trabalho ainda precisamos evoluir muito nesse aspecto.
Para começar, estamos diante de uma armadilha: adotamos a perspectiva de sentir a dor do outro como ambição e metodologia. Quando um entrevistado nos conta uma história difícil, ou até feliz, frequentemente fazemos um gesto ou comentário apressado que denota "te entendo, sei como é" ou "posso imaginar".
Levamos isso inclusive ao limite, sacrificando a saúde física e mental na busca por “sentir com”. Só que ao invés de debatermos se esse é mesmo o melhor caminho, acabamos expondo a ferida como um troféu. Queremos ser bons, mostrar que estamos tocados, cientes e acordados para todas as dores e deleites do mundo.
É impopular, mas útil e talvez necessário, admitir que por trás disso mora uma grande vaidade. Em um curso que fiz no ano passado, a professora Cristiana Grumbach, pesquisadora conceituada, tocou nesse ponto. Ela se valeu da sua formação em psicanálise para apontar o narcisismo contido no hábito de avançarmos sobre as emoções dos personagens, nos incluindo na equação.
Várias pessoas, porém, ficaram incomodadas com a reflexão. Já me disseram, por exemplo, que incentivar o distanciamento entre pesquisador e personagem seria exotizar o outro. Ou ainda demonstrar indiferença, frieza, superioridade.
Processei isso por semanas, afinal não quero fazer um manifesto contra a empatia. Mas quero, sim, dizer que testemunhar alguém sentindo medo, dor, loucura, euforia, tristeza, revolta, sem se implicar pessoalmente - ou até admitindo que você não sabe NADA sobre aquela tempestade emocional - é um desafio level HARD para o ego.
Há um belo texto produzido a partir de uma fala de Eduardo Coutinho, O cinema documentário e a escuta sensível da alteridade, que é sobre perceber quem está à nossa frente como um indivíduo, por essência, diferente de nós. E respeitar isso. Para haver ética e generosidade na relação com os personagens não é mandatório se embolar com eles. Tampouco é simples.
É preciso um banho de humildade, paciência, noção das próprias carências e vaidades para, verdadeiramente, oferecer um lugar que o outro possa preencher com o seu próprio mundo. Topar respostas que vão além da ânsia por confirmação. Percorrer caminhos em ziguezague, imprevistos e provocações, enquanto implodimos as nossas certezas mais caras.
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CAMILA pesquisa novos métodos de escuta
Levain
Era 2020. Nas ruas, uma cena distópica, tudo vazio, fechado, em pleno dia da semana. Dentro das casas da bolha paulistana da zona oeste, um enorme bicho crescia: era o levain. Parece que quem não ousou fazer um pão de fermentação natural na pandemia, não passou por ela. Eu ousei. Fiquei numa jornada botando água, cultivando aquela meleca que transbordava à noite do pote e deixava na cozinha um odor enjoativo meio de vinagre, meio doce.
Quando achei que era o momento, que a minha espécie de Tamagotchi natural estava pronta, coloquei a mão na massa. Meu forno não era ideal, nem minha forma. E o resultado foi um pão queimado por fora e cru por dentro. Comi, óbvio, porque depois desse trampo todo, eu ia comer qualquer coisa que saísse dali. Com essa frustração e um total de zero persistência pra tentar de novo, joguei meu bicho fora e achei mais cômodo comprar de quem tivesse mais habilidade.
O negócio é que a cozinha nunca foi meu forte. Até bato um bolinho digno, meus sobrinhos adoram quando faço panqueca, minha carne de panela é saborosa. Mas pra gastar horas, semanas, elaborando cada etapa de um prato para ser comido em poucos minutos… acho lindo quem se dedica, glamouroso eu diria (apesar de saber que não tem nada de glamour na gastronomia), mas não é pra mim.
Tem um livro ótimo que a Camila me deu de aniversário (fora de estoque, infelizmente), “Sangue, Ossos e Manteiga”, que conta a história da chef americana Gabrielle Hamilton. A narrativa é incrível e mostra como sua infância foi um prato cheio - desculpe o trocadilho infame - pra sua vocação. Sua mãe cozinhava dias e mais dias para grandes festas em sua casa, povoada de cheiros, sabores e música.
Minha avó materna era dessas e dela tenho memórias afetivas fazendo salgadinhos para os aniversários dos netos e encomendas. Passava o maior tempo entre panelas, com as mãos tomadas, e eu muitas vezes ao redor, pegando massas cruas e moldando minhas mini empadas desengonçadas com a minha irmã. Como escrevi anteriormente, não foi o suficiente pra me influenciar.
Não consigo esperar uma massa crescer, uma empada dourar, insistir num pão até sua excelência. Não é possível esperar a maturação, o jeito é cortar o caminho pelo aplicativo ou fazer uma conta homérica na padaria aqui do lado. A gente vai com o que pode.
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BARBARA pesquisa formas de facilitar sua própria vida
📌 Uma Dica de Cada
[Camila] Estou em uma pesquisa pessoal sobre vinhos. É um assunto tão vasto, que me sinto eternamente na categoria iniciante. Mas isso não me impede de seguir - e me divertir. No final de semana do dia 29 e 30/6 irei a Feira Naturebas, no Parque do Ibirapuera, aqui em São Paulo. É a primeira e única do Brasil especializada em vinhos naturais, orgânicos e biodinâmicos. Ingressos aqui.
[Barbara] Já pratiquei muito esporte, dança e afins. Mas nada me é tão pulsante quanto praticar Barre Class, ou balé fitness. São movimentos da dança, com exercícios aeróbicos e de resistência, pesinho, tornozeleira e outros apetrechos. Há muitas professoras, mas indico aqui três maravilhosas que me fizeram manter nessa atividade por nove anos seguidos e indo! Raissa Rossi, Paula Neves e Belkiss Moreira, divas da modalidade, cada uma com seu jeito único de dar aula. Hoje eu finalmente voltei presencial, depois de 10 meses e uma bebê, e estou rodopiando e cantando de braços abertos.
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Bom ler vocês. No momento da leitura é quando me silencio mais. E quando não consigo silenciar, preciso voltar para o mesmo parágrafo diversas vezes.
Me percebi falante depois que meu filho nasceu. Eu ficava tantas horas em silêncio (cantava bastante, mas ainda era um tipo de silêncio) e, quando encontrava uma pessoa adulta, disparava a falar. Havia tanto aqui dentro que precisava ser organizado... Percebi essa tendência e precisei recalibrar os silêncios e as falas. Nessa recalibração veio também o conceito de comunicação não violenta, que coisa incrível esse conceito tão óbvio da tabelinha da Camila.
Agradecida!
E beijos na Bárbara e na Olívia.
Estou amando a newsletter. Sou recém chegada no campo da pesquisa para o audiovisual e tenho aprendido bastante com vocês! Parabéns e obrigada por esse conteúdo! :)