Pesquisa Talks é uma newsletter quinzenal feita por duas pesquisadoras de conteúdo para projetos audiovisuais.
Por Barbara Heckler e Camila Camargo
Superlativos
Não sei se você tinha o hábito de escrever em diários e agendas quando era adolescente. Também não tenho jovens dessa idade próximos a mim para saber se é uma moda da década de 1990 ou se o costume analógico de escrever no papel ainda persiste.
O que sei é que talvez uma das melhores formas de se conhecer a fundo seja a de resgatar esses escritos e se debruçar nas milhares de linhas cravadas com excessos, bilhetes, resquícios aleatórios, fotos e clips coloridos.
Há poucos anos peguei esses conteúdos para reler. Estava num processo intenso de terapia e resolvi abrir a caixa de memórias. O mais antigo é um diário de capa rosa, com uma estampa de coelho e um fecho para trancar, deixando um ar ainda mais secreto. Mal sabia com meus 8 anos que dava pra abrir facilmente com um grampo ou no tranco mesmo (o meu irmão descobriu rapidamente e ainda passou uma caneta vermelha corrigindo meu português……..). Lembro do espanto que tive mais velha ao ler meus relatos. Era muito sentimento para uma garotinha, que oscilava entre amor descomunal e ódio profundo. Esse pêndulo ainda balançou nos extremos ao longo da adolescência. Eu achava que era uma característica muito minha ser tão superlativista, mas, conversando com a Camila sobre o tema, entendemos que possivelmente seja da idade e de todos os hormônios saindo desgovernados pelos poros.
Para além das agendas, guardo e não consigo jogar fora uma quantidade imensa de cartas trocadas. A grande maioria tem dois remetentes: minha prima e uma amiga dela que se tornou uma grande amiga minha até hoje. Com elas, o envelope ia e vinha recheado de folhas de fichário completamente preenchidas com todas as minúcias do carinha por quem éramos MUITO apaixonadas, porque era O AMOR DA MINHA VIDA. Da vida DIFÍCIL DEMAIS de jovens incompreendidas pelos pais. Porque a gente queria SAIR E NUNCA MAIS VOLTAR. Minha educação sempre foi rigorosa e cavar espaços de liberdade era uma missão com muita negociação e táticas. E está tudo ali, registrado.
O que levei para terapia à época foi tanto essa carga, quanto o esclarecimento de situações que carreguei como muito pesadas e que, estranhamente, ao ler, foram bem menores do que a sensação a longo prazo.
Não escrevo tanto assim há mais de uma década e pobre da Barbara na terceira idade que vai ter que se virar na terapia com a memória fraca que tem. Vai sobrar só sentimentos, muitas vezes sem sentido (Freud discordaria dessa frase).
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BARBARA precisa retomar a escrita para pesquisar sobre si mais velha
Matrioska
Balancei a escada para verificar se estava firme. A cada degrau, via um pedaço maior da caixa laranja que mora em cima do armário e guarda meus diários de adolescente. Fazia muito tempo que não tocava nesse material, até que um novo projeto profissional despertou o interesse. Estou pesquisando uma artista incrível, num processo que envolve olhar seus cadernos e blocos de notas. Tipo arqueóloga, decidi então explorar minhas próprias civilizações antigas.
Em tinta de caneta colorida e letra juvenil, garranchada ou caprichada a depender do assunto, encontrei um pouco de tudo. O primeiro email: camis1@zipmail.com. Os ingressos do Rock in Rio de 2001. A celebração de cada medalha nos campeonatos de basquete. Meu querido cachorro, o Joca. O festival de acontecimentos que era a escola. Férias que alternavam dias de profundo tédio e chuva em Ubatuba com interações eletrizantes com os vizinhos. O crush no vendedor da loja de shopping. Uma coleção de paixões platônicas até os 16 anos, quando narrei como um pequeno milagre a sorte de um amor correspondido.
Nessa mesma idade, inclusive, topei com uma equipe da MTV gravando na praia: "A gente ficou na plateia e o trabalho deles parece melhor impossível! Mudei tudo, vou fazer Comunicação", anotei, extasiada, pouco antes de iniciar o último ano do Ensino Médio. Lendo agora, achei tão curioso ter definido assim o que faria na faculdade. Era, com certeza, uma fase de decisões impulsivas e sentimentos hiperbólicos. Amava e odiava as coisas numa intensidade publicável somente no limite daquelas páginas. Mais do que um registro, elas tinham a função de elaborar emoções e abrir espaço para novos capítulos na vida.
Até hoje escrevo pela mesma razão. Folhas em branco são como copos de fundo infinito, onde derramo tudo que transborda em mim, com um nível de sinceridade ímpar. Um conteúdo íntimo do qual nunca me separo completamente, mas que vai amadurecendo, se integrando e espera para ser redescoberto, no tempo certo.
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CAMILA pesquisa sobre si em seus próprios diários
📌 Uma Dica de Cada
[Barbara] Acho que deixo metade do que ganho todo mês na Forno Fecchio. Localizada na Vila Anglo, em SP, a pequena padaria artesanal produz fornadas cheirosas de pães com fermentação natural, pão de queijo de tapioca, croissants (o de amêndoas é de derreter a alma), medialunas, entre outras delícias. O meu preferido: cookie de cupuaçu com castanha-do-Pará. Tem vezes que atravesso a rua pra não cair em tentação. Mesinhas não padronizadas ficam dispostas em frente pra quem quiser tomar um café. Funciona de terça à sábado.
[Camila] 🍂 O outono chegou semana passada, depois de dias escaldantes e tempestades de verão. A troca de estação é uma chance de olhar a natureza começando a se recolher, com folhas e flores que vão caindo e trocando de cor. Um ritual que nos lembra da virtude da paciência. Bom outono pra você 🍂 E, se for aqui de SP, deixe anotado na agenda: Dia 3/4 inaugura a exposição “Cosmovisão”, da fotógrafa e ativista Claudia Andujar, no Itaú Cultural.
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muito nostálgico ler isso! nunca consegui manter um diário por muito tempo, me empolgava com as primeiras páginas e depois abandonava, até hoje sou assim. tenho pensamentos soltos em documentos do google, em grupo comigo mesma de whatsapp e às vezes esbarro num caderno antigo e fico relendo as coisas que escrevi na época. é curioso notar como as preocupações que hoje me parecem muito simples de resolver e pequenas em importância, na infância e adolescência pareciam o fim do mundo! hahaha é sempre gostoso fazer essa arqueologia de nós mesmas.