Por Barbara Heckler e Camila Camargo
Na edição anterior…
…escrevi sobre uma obra desgastante que rolou em casa e coincidiu com uma pesquisa para um projeto sobre violência de gênero. Ambas se estenderam além do planejado, só que no mundo emocional não basta "dobrar a gasolina" pra ir mais longe. Quando vemos, já estamos andando na banguela.
Ciladas, ciladas. Com os olhos marejados, ouvi na terapia sobre higiene emocional. Soa como um daqueles conceitos pra vender vela a 150 reais, mas é a busca intencional de atividades que nos ancorem em sensações positivas.
Era a hora de parar de acessar conteúdo sobre o que estava me angustiando e até suspender o desabafo com as amigas, porque isso também futucava a dor. E não valia trocar de aflição, ainda que fictícia. Dei um break em Succession, em plena reta final, porque eu literalmente sonho com os Roy metralhando ironia e deboche uns contra os outros e acordo frita.
A saída é individual e menos óbvia do que parece. Fazer tricô pode ser tranquilizador para uma pessoa e, para outra, um martírio. Apostei minhas fichas em uma viagem que estava marcada com o namorado para o Rio. Fiz cosplay de Don'Elena de Maneco e finquei a cadeira em Ipanema, com gaivotas flanando no horizonte, pé com pé roçando na areia. O sol de inverno me deixando sucumbir à miragem deliciosa que é aquele pedaço da cidade…
Sempre curti o granulado colorido de gente nas praias cariocas, salpicadas por berros de vendedores de mate, vape, canga, esfiha, brownie de maconha - esse falatório é tão característico, que é até vendido em bancos de trilha sonora. Mas ninguém me preparou para a atualização neoliberal do comércio ambulante.
"Qual o maior sonho da sua vida?". Disse um garoto com a voz dinâmica e empostada, ao se aproximar do banhista que estava ao nosso lado. O potencial cliente embarcou legal no discurso empreendedor e saiu do pitching convencido de que comprar um picolé era equivalente a se tornar acionista daquele negócio.
Dali dois minutos, rolou o inverso. Ouvi um conterrâneo paulistano fazer as vezes de coach pra um menino que oferecia biscoitos. Ele afirmava enfaticamente que o vendedor não tinha focado o suficiente nos benefícios do produto.
Cabeça de pesquisadora é fogo e esse tipo de presente-futuro distópico é gasolina. Estamos (estou) hipervigilantes, hiperexcitados e investidos em sentir e opinar sobre tudo, né? Todas as problemáticas, todas as presunções. E a tal da higiene emocional dando adeus. (Por favor, leia este texto da flows sobre poder estar certo e errado). Por sorte, mexendo no fundo da bolsa, o fone de ouvido encontrou minha mão. Empurrei bem fundo nos tímpanos.
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CAMILA pesquisa, sacode a poeira, dá a volta por cima.
Borbulhante
Eu nunca quis transformar esta newsletter num diário de bordo de uma grávida. Já basta o que estou vivendo por mim mesma. E prometo não fazê-lo, mesmo depois que a Olívia nascer e minha vida se transformar durante um tempo em fraldas, peitos e noites mal dormidas (alguém algum dia fica preparado psicologicamente pra isso? Não).
Mas o tema que a Camila sugeriu para esta edição me parece propício para o momento de 31 semanas, ou seja, chegando aos 8 meses 😰.
Antes de alcançar os 7, estava completamente loucona, agarrando todos os trabalhos que fossem possíveis, numa disposição ótima, para uma paz financeira em minha auto-licença-maternidade-profissional-liberal.
Coincidiu de dois, dos três projetos, terem viagens de campo. Bom, joguei ao universo que queria muito viajar antes de parir e daí ele me mandou uma caçamba cheia e falou: lide com seu desejo.
E, de fato, foi bem maravilhoso poder sair, conhecer cidades e regiões no Brasil, comer coisas diferentes, estava com pique. Os temas com os quais trabalhei eram suaves - algo propositadamente escolhido para o momento. Mas, ao final de um mês nessa toada, estava completamente exaurida, não aguentava mais me sustentar com snacks cada vez piores de aviões que não cabem sua perna. Fora rodopiar pratinhos mil para dar conta dos projetos em vigor. Cheguei a chorar que nem criança de cansaço.
Pouco a pouco, eles foram se encerrando, restou apenas um, que está puxado, num crono insano. A velha história contemporânea que a mulher dá conta de tudo sim, mesmo grávida de quase 8 meses, afinal não é uma doença. Pode não ser, mas minha experiência é que altera um bocado seu cotidiano, ora mais, ora menos. A situação mudou no meu terceiro trimestre de gestação, bem no fim da viagens e esse impacto anda brutal. Virou uma chave. Hormônios ebulindo como um vulcão, “na natureza, é o momento das fêmeas se recolherem, virarem mais protetoras para suas crias que estão chegando”, disse minha médica ao me lamuriar, “mas, infelizmente, sabemos que vivemos nesse mundo louco e não tem como se guardar na caverna”. Não tem. A minha última entrega de pesquisa está prevista para quase nove meses dessa barriga (risos nervosos), se o prazo estoura, minha bolsa estoura junto!
“O jeito é criar estratégias, é hora de assistir aqueles filmes bem bestas, sabe?”, no que respondo “é, eu vi O Pianista neste final de semana, bem oposto”. “Não é o momento. Vai tomar sol, saia para caminhar na rua, na natureza, ouça músicas que você gosta, seja mimada pelo seu marido (amei, ele estava presente no recado)”. É a higiene emocional sobre a qual a Camila levantou, sistematizando pausas de respiro. Já que no meu ventre o espaço está sendo ocupado, é preciso dar vazão na mente, para que a lava da ira não arrebente tudo de uma vez. O caldo quente vai deixar de subir? Não. Estancar não é uma opção, deixaria qualquer um doente. Mas, ele pode ir descendo devagarinho a ponto da população local fugir? Vou tentar. Detox necessários já estão programados. A dica dessa semana é um deles 😉.
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BARBARA não é de ferro e dá uns surtos enquanto termina a última pesquisa
📌 Uma Dica de Cada
[Camila] O Museu de Arte do Rio – MAR vale a visita, na Praça Mauá, região central da cidade. Entre as exposições em cartaz, curti “Um defeito de Cor”, baseada no livro de mesmo nome da escritora Ana Maria Gonçalves, e “Aqui é o Fim do Mundo”, do artista Jaime Lauriano.
[Barbara] Não sei se você já teve oportunidade de ir a um concerto da Osesp, na Sala São Paulo. É uma das experiências mais extraordinárias da capital paulista. Nem precisa conhecer de música clássica, a vibração da afinação perfeita dos instrumentos entram em você e emocionam. Às sextas, têm ingressos pela metade do preço! Há também ensaio aberto, além das apresentações habituais de quinta a domingo.
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Amei os textos! Amo a maneira que vocês escrevem. Os assuntos, tudo. Essa edição está demais. Higiene emocional, gostei do conceito ;)
Amei essa edição! Acreditam que nunca vi um concerto da Osesp? Maravilhosa a lembrança. E muuuuuito obrigada pelo link pra minha news, esses tema .ambos deu o que falar ♥️🥹